Audiência pública nesta quinta (20) volta a debater PL 260/2020 e tem presença confirmada da pesquisadora Larissa Bombardi
Em dezembro do ano passado, em menos de 20 dias, uma forte mobilização movimentou centenas de entidades de diversas áreas de atuação, entre elas a Agapan, e impediu que o governador Eduardo Leite colocasse em votação em regime de urgência na Assembleia Legislativa o PL 260/2020, do Executivo. O projeto quer liberar agrotóxicos no Rio Grande do Sul que não têm registro de autorização de uso nem mesmo em seus países de origem.
Ambientalistas, especialistas e diversos deputados defendem que a alteração pode colocar em risco a segurança alimentar e saúde da população não somente gaúcha, já que o Estado comercializa sua produção para o Brasil e Exterior, representando um retrocesso ambiental e social. O novo texto está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALRS.
Agora, as organizações pressionam para que o PL seja retirado de pauta, ou seja, nem entre em discussão, protegendo assim a legislação vigente. A tentativa de mudança será pauta de audiência pública marcada para esta quinta-feira (20/05), às 10h. A transmissão será pelo canal 11.2 da TV Assembleia ou youtube.com/tvalrs.
O evento, em formato virtual por conta da pandemia, será transmitido pelo YouTube da ALRS e redes digitais – confira o serviço – e contará com a presença da Dra. Larissa Mies Bombardi, da Universidade de São Paulo (USP), do Dr. Wanderlei Antonio Pignati, médico, professor e pesquisador do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e de várias entidades da sociedade civil e órgãos públicos ligados ao tema.
Em março deste ano, após diversas intimidações, Larissa saiu do país para proteger sua vida e de seus filhos. As perseguições passaram a acontecer após maio de 2019, quando Larissa publicou na Europa a versão em inglês do atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”. Mestre e doutora em Geografia pela USP e com pós-doutorado pela Universidade Federal Fluminense, ela tem se dedicado ao estudo de agrotóxicos na agricultura brasileira nos últimos cinco anos. Pignati é um dos autores do Dossiê Abrasco: Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos à saúde.
A audiência é uma iniciativa da Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa em resposta ao apelo das entidades e foi proposta por Edegar Pretto, que a coordena, e os deputados Zé Nunes (PT) e Jeferson Fernandes, todos da Bancada do PT.
A Agapan convida toda a sociedade gaúcha a se informar sobre o perigo representado pela proposta do governo e a manifestar sua preocupação e contrariedade a este projeto, que representa um retrocesso das leis de proteção à vida.
A SABER
A proposta de Leite modifica a pioneira Lei Estadual nº 7.747, de dezembro de 1982, que dispõe sobre o controle de agrotóxicos e outros biocidas, e que foi construída com o imprescindível apoio da Agapan. O texto indica que só serão admitidas a distribuição e comercialização em solo gaúcho de produtos já registrados no órgão federal competente e que, se resultantes de importação, tenham uso autorizado no país de origem, abordando ainda outros pontos, como rigoroso controle da rotulagem daqueles cuja comercialização é permitida. A redação, que envolveu também a sociedade civil organizada, tornou o Estado precursor no país na regulamentação da utilização de insumos químicos industriais nas lavouras.
A tentativa de alteração da Lei Gaúcha dos Agrotóxicos ocorre exatamente no momento em que famílias assentadas de Nova Santa Rita e Eldorado do Sul vêm denunciando os graves efeitos da deriva da aplicação de agrotóxicos via aérea. Desde novembro, a situação vem se repetindo, gerando graves impactos em lavouras, hortas, pastagens, moradias e vegetação nativa, com grandes perdas de produção e contaminação em moradores, animais e lavouras, tendo sido. Em março deste ano, um avião surpreendeu os moradores do assentamento Santa Rita de Cássia II ao sobrevoar somente as residências e galpões, jogando veneno propositalmente sobre as construções e plantações. O caso foi parar na Justiça.
O volume total de agrotóxicos utilizados no Brasil em relação à sua população corresponderia a 7,6 litros de agrotóxicos por ano por pessoa. O cálculo é uma proporção de uso comercializado para fins de ilustração e foi feito pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), tomando como base dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de 2015 sobre a quantidade de princípios ativos de agrotóxicos e a receita anual da indústria agroquímica – cerca de R$ 36,6 bilhões.
Na esfera federal, a aprovação de um novo marco legal dos agrotóxicos é tida como prioridade para a bancada ruralista. Um dos pontos mais controversos do Projeto de Lei 6299/02, o chamado PL do Veneno, é dar maior poder ao Ministério da Agricultura, que passaria a autorizar o registro de um agrotóxico mesmo se a Anvisa e o Ibama ainda não tiverem concluído as análises.
Desde o começo do mandato, em janeiro de 2019, o governo de Jair Bolsonaro publicou a aprovação de 1.165 novos agrotóxicos. Existem hoje 3.231 produtos químicos para uso no setor agrícola comercializados em todo o Brasil.
Os agrotóxicos surgiram na Segunda Guerra Mundial, tendo como propósito seu uso como arma química. Com o pós-guerra, o produto passou a ser utilizado como defensivo agrícola, ficando conhecido também como pesticida, praguicida ou produto fitossanitário. Na legislação brasileira, o termo utilizado é agrotóxico, apesar de inúmeras tentativas de mudanças da nomenclatura por parte do setor ruralista e indústrias químicas.
Cronologia das ações de enfrentamento ao PL 260/2020
:: O governador Eduardo Leite enviou no início de dezembro de 2020 à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em regime de urgência – ou seja, sem espaço para debate – o Projeto de Lei 260/2020, modificando a Lei Estadual nº 7.747, de dezembro de 1982, que dispõe sobre o controle de agrotóxicos e outros biocidas. A intenção do Executivo era votar a proposta no dia 22 de dezembro.
:: A tentativa de alteração da legislação foi tema de debate de reunião virtual de mobilização ocorrida em 7 de dezembro de 2020, que contou com a presença de mais de 100 integrantes, entre técnicos, cientistas, professores universitários, profissionais da saúde, agricultores ecologistas e ambientalistas. O encontro foi promovido pela Frente Parlamentar Gaúcha em Defesa da Alimentação Saudável da ALRS.
:: Um total de 240 entidades assinou a carta aberta "Mais Vida, Menos Veneno", resultado da reunião e endereçada ao governador Eduardo Leite, pedindo a retirada do regime de urgência do PL 260/2020. Íntegra do texto e signatários podem ser conferidos no link docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLScNhwpbClbWaHypoyN-9vYtX2857a6htQw__Cu_VSIK3JiaUg/viewform
:: Na terça-feira (15/12), integrantes da Frente Cidadã Contra os Agrotóxicos protestaram pela primeira vez em frente ao Palácio Piratini e Assembleia Legislativa. O grupo se vestiu com macacões e máscaras e levou cartazes, um tonel representando produtos químicos, um aplicador de veneno e se posicionou em frente às sedes dos poderes para ação pacífica, iniciada às 9h e encerrada às 10h30min. Após o ato nos poderes Executivo e Legislativo, o grupo se deslocou até o Viaduto da Borges de Medeiros, na Rua Duque de Caxias, onde fez nova ação visual.
:: Os consumidores da Feira Ecológica do Bom Fim foram surpreendidos, na manhã de sábado (19/12), por uma intervenção inusitada: personagens vestidos de garçons e com máscaras do governador Eduardo Leite ofereciam ao público alimentos cenograficamente pulverizados com um líquido cuja embalagem carregava no rótulo a frase “Cuidado, veneno”, acompanhado do desenho de uma caveira. A ação foi uma iniciativa da Frente Cidadã Contra os Agrotóxicos, denunciando mais uma vez o teor do Projeto de Lei 260/2020.
:: A Frente Cidadã Contra os Agrotóxicos organizou nova intervenção de rua no dia 21 de dezembro, desta vez na Esquina Democrática. Personagens vestidos de macacões e máscaras, um terceiro representando a morte e ainda um representando Eduardo Leite, com a máscara reproduzindo o rosto do governador, chamaram a atenção da população. Com um megafone, foi informada a motivação da atividade.
:: Centenas de pessoas enviaram e-mails e mensagens via WhatsApp aos deputados pedindo que votassem contra o PL 260/2020. Algumas bancadas, como do PSOL e PT, além de deputados de diversas siglas, se comprometeram a votar contra o projeto.
:: Em 21 de dezembro, às 14h, a Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo da Assembleia Legislativa realizou uma audiência pública virtual para tratar do Projeto de Lei 260/2020, do controle de agrotóxicos e outros biocidas. A proponente foi a deputada Sofia Cavedon. A transmissão ocorreu pelo canal da ALRS no YouTube.
:: No dia 10 de fevereiro de 2021, em reunião no Palácio Piratini com os deputados estaduais Edegar Pretto e Zé Nunes, o governador Eduardo Leite se comprometeu a não colocar em votação em regime de urgência o Projeto de Lei 260/2020, retirando seu regime de urgência, mas manteve o projeto tramitando na ALRS. Desde então, as entidades continuam atentas e mobilizadas.
:: A Frente Cidadã Contra os Agrotóxicos continua fazendo ações de rua, principalmente aos sábados nas Feiras Ecológicas da Redenção e nas quartas na Feira Ecológica do Menino Deus, e já recolheu mais de 300 assinaturas via petição física.
Assessoria de Comunicação Agapan
Anahi Fros | Jornalista
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