Prezada jornalista Rosane de Oliveira,
Lendo o seu comentário sobre o Parque Harmonia na edição desta sexta-feira (4) de Zero Hora, impressiona sua tomada de posição, quando a questão está em pleno debate social em Porto Alegre. A partir de seu lugar de fala e oportunidade de influenciar desde de um jornal comercial de ampla circulação, a opinião largamente divulgada interfere na correlação de forças sociais. Cabe ressaltar, que a sua posição atual é coerente com o seu histórico opinativo, o que é relevante.
Você afirma no título de seu comentário que o impasse é ruim para todos. Podemos contrapor dizendo que degradar microssistemas naturais consolidados em ambiente público de uma grande cidade já impactada ambientalmente por reiterados ataques da administração pública municipal é pior ainda, “para todos” também. (Não é apenas no Harmonia que se vê o jogo político de tirar natureza para instalar comércio). Isso não lhe soa parecido com o modelo que nos trouxe à atual crise climática ao longo dos últimos dois séculos e meio?
Você insinua que milhares de pessoas no RS podem ser, em suas palavras, “mentirosas”, “mal informadas” ou “desembarcou de um planeta fora do Sistema Solar”. Neste ponto, me pergunto sobre a sua compreensão a respeito da vida dos outros; sobre sua empatia com quem não consegue se manter informado porque tem que baixar a cabeça e trabalhar o dia inteiro, noites e finais de semanas, sem que sobrem recursos financeiros e tempo para buscar informações sobre todas as atividades e negócios que a Prefeitura, entre outros órgãos, está fazendo.
Você diz que “ficou chocada ao ver o parque... depois das 103 árvores suprimidas” e ressalta que a nobre “prefeitura havia autorizado a derrubada de um total de 435”, mas sequer questiona se a empresa não teria derrubado mais de 103 caso a população não fiscalizasse e denunciasse. Fica cômodo isso, a empresa agradece.
Relativizando e tratando como “fato consumado” já terem sido derrubadas mais de 100 árvores, tenta amenizar dizendo que o “parque com 300 árvores a menos ... ficaria totalmente descaracterizado”. A empresa e a prefeitura devem estar dando pulinhos e agradecendo a sua assessoria. Mas não fica nisso: na sequência tem um espaço de fala no seu texto. Imagina que não seria da empresa! Sem dúvida, o espaço privilegiado de fala é dado a uma nova diretora da empresa GAM3, que derrubou as árvores e tem grande interesse econômico no caso. Aqui também ressalto a coerência do jornal, que é uma empresa do mercado com seus igualmente interesses econômicos. Fica tudo entre pares.
Num próximo parágrafo breve e intrometido, aponta o dedo para o Paço e afirma que “a prefeitura errou”. Rapidamente, na sequência, mais um espaço de fala para diretora da empresa, que também foi brindada com espaço na rádio do grupo de comunicação comercial.
Após dizer, na voz da empresária, que “o embargo não impedirá a montagem da roda gigante nem fará com que o parque volte a ser público”, dá mais um espaço para o ponto de vista da empresa, que tenta influenciar, rezando que cumpriram os trâmites legais da licitação.
Mas o texto, muito eficiente ao que se destina, vai além e chega na falsa polêmica do Acampamento Farroupilha. Já larga a frase seguinte dizendo que o “evento será prejudicado se as obras seguirem proibidas”. Se a pauta é "prejuízos", poderia ampliar a lista, se quisesse. Mas não quis, preferiu abrir novamente espaço para informar que a empresa está preparando a infraestrutura para a festa. Aumenta a pressão, dando munição para indignação dos que gostam do evento (eu gosto), dizendo que “não haverá banheiros, instalações elétricas, lojas e galpões”. E, na frase mais dramática, abre dizendo que “Não haverá acampamento Farroupilha...”; e finaliza intimando quem não é tradicionalista a tentar se explicar “o que a paralisação das obras vai acarretar”. Neste ponto, é o famoso “jogar para a torcida”. Por que não abre espaço para o contraditório no mesmo texto? Assinalo que não tenho o conhecimento se o prefeito é tradicionalista. Neste caso, ele poderia responder.
O último parágrafo é de se emoldurar, visto que seus argumentos são incomparáveis. Me vem à mente, neste ponto, como gostam de carimbar membros da cidadania de Porto Alegre como “caranguejos”. Você busca a sombra da memória de uma pandemia, que atingiu o mundo inteiro e matou muita gente, para emoldurar suas conclusões de que “as árvores arrancadas não irão voltar aos seus lugares”. Não precisa ser vidente para isso, mas com um pouquinho de boa vontade seria possível desejar que outras fossem plantadas no mesmo lugar, aproveitando para colocar cinco mudas grandes, fortes e com compromisso assinado de zelar por elas até que cresçam, não abandonando como é de costume após os plantios obrigatórios por lei. (Ah, leis que os ambientalistas propuseram para que pudéssemos ter hoje).
Você encerra afirmando que as árvores que serão plantadas em substituição às arrancadas “irão fazer sombra em outros espaços, daqui a sete ou oito anos”. Ouvimos muitos especialistas, com formação e experiência na área, dizer que esse tempo é algumas vezes maior. Mas, quando se chega ao final do seu texto, já se entendeu o objetivo dele. Então, nada a surpreender.
Por fim, se achar justo, honesto ou necessário abrir espaço para o contraponto, conte conosco, pois temos muitos argumentos para aprimorar o debate.
Ah, e ambientalistas não são adversários, muito menos inimigos, dos tradicionalistas. Muitas vezes, inclusive, são as duas coisas. Muitos ambientalistas têm familiares tradicionalistas (e isso não é achismo, é fato). Não caia na jogada política de um lado dessa disputa social. Se existem lados opostos nesta questão são, muito evidente, Prefeitura contra a Cidadania, Prefeitura contra o Meio Ambiente, Prefeitura contra a Natureza, Prefeitura contra o Combate à Crise Climática e, por fim, se preferir colocar mais lenha, Prefeitura X Ambientalistas. Por isso, podemos responder, mas não entramos no joguinho de narrativas de políticos que estão acuados por erros e, possivelmente, crimes que iremos averiguar. Sugestão de um colega jornalista: não caia nessa.
Se tiver o objetivo de contribuir mais neste debate, ficamos à disposição para receber o mesmo espaço que a empresária recebeu, tanto na rádio da sua empresa, quanto na sua coluna no jornal Zero Hora.
Atenciosamente,
Heverton Lacerda
Jornalista e Ambientalista
Presidente da Agapan
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